Um estudo que será publicado na edição de outubro da revista The Lancet Regional Health – Americas propõe substituir a radioterapia clássica por uma técnica avançada, a SBRT (Stereotactic Body Radiation Therapy, ou radioterapia estereotáxica corporal) para tratar determinado tipo de câncer de pulmão na rede pública de saúde.
Pesquisadores concluíram que, mesmo sendo cara, a SBRT é uma estratégia com mais custo-benefício do que a radioterapia fracionada convencional (CFRT) para o câncer de pulmão de não pequenas células em estágio inicial, que representa entre 80% e 85% dos casos.
O procedimento não está no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) nem é reconhecido pelo SUS, mas cerca de 20% dos serviços privados e 10% dos públicos no país o possuem. Não há reembolso para quem passa por ele.
O equipamento custa em torno de US$ 7 milhões (aproximadamente R$ 36 milhões). A manutenção preventiva mensal é de R$ 100 mil.
O sistema público de saúde brasileiro não financia o uso da SBRT por dois motivos: o valor é alto e não há uma análise de custo-efetividade que demonstre o benefício da técnica —objetivo desse estudo.
“Hoje, o tratamento padrão curativo é a lobectomia —a remoção de um lobo pulmonar. O problema é que boa parte dos que descobrem o tumor no estágio inicial é quem fuma, o idoso e quem tem o coração fraco ou outras doenças derivadas do cigarro, da vida e da idade”, explica um dos coordenadores do estudo, o radio-oncologista Alexandre Arthur Jacinto, do Departamento de Radioterapia Oncológica do Hospital de Amor (antigo Hospital do Câncer de Barretos) e diretor de ensino e pesquisa da Sociedade Brasileira de Radioterapia.
A SBRT age somente no nódulo e protege qualquer tecido ao redor, através de uma técnica com base em tomografias 4D.
“Enquanto respiramos e falamos, o pulmão se movimenta e o nódulo também. Como faço um tratamento preciso numa região que se movimenta o tempo inteiro? A estereotaxia trata esse tumor rastreando seu movimento. Eu vejo o movimento do nódulo e consigo dar uma dose gigante de radioterapia com a possibilidade de controle desse nódulo de 90%, que é o mesmo que a cirurgia oferece”, explica o especialista.
Na radioterapia clássica, com dose baixa, o paciente faz 30 sessões em seis semanas. Nos dias atuais, o valor da tabela SUS para esse tratamento no pulmão é de cerca de R$ 3.600.
Na SBRT são realizadas até cinco aplicações. Um estudo australiano feito com 101 pacientes havia comparado as duas técnicas e comprovado que a tecnologia mais moderna aumenta a sobrevivência e oferece um controle da doença em torno de 90%, sem precisar tirar nenhum pedaço do pulmão.
“Ela é só por fora, um banho de luz. Atualmente, em alguns casos, conseguimos fazer esse tratamento em apenas uma aplicação”, afirma o oncologista.
Para chegar à conclusão do custo-efetividade da SBRT para o SUS, os pesquisadores analisaram um grupo de homens com 75 anos, que descobriram câncer de pulmão inicial mas inoperável por falta de condições clínicas. Os custos foram baseados nos valores de ressarcimento do SUS e simulados no setor privado.
“Modelamos o custo de cada etapa e quanto custaria para o governo ou a saúde suplementar pagar cada procedimento nos casos em que a doença voltou. Embora o paciente gere custos em qualquer modalidade, a diferença é grande quando se faz a SBRT, favorecendo progressivamente ao longo do tempo. Mesmo se o SUS gastasse R$ 25 mil de uma vez com o paciente pouparia recursos”, diz Jacinto, explicando que com a radioterapia convencional, o gasto com tomografias, procedimentos, internações e terapias seria maior.
Ele ressalta que o estudo não levou em conta os custos de transporte, alimentação e o transtorno da vida do paciente e da família. “O impacto social pode ser calculado de maneira mais robusta”, explica.
Os dados sugerem que, usando um limite de R$ 25 mil por paciente, a SBRT foi mais custo-efetiva do que a radioterapia clássica para câncer de pulmão de células não pequenas em um sistema de saúde público de um país de renda média-alta, como o Brasil.
A SBRT também pode ser utilizada no tratamento de outros cânceres, como próstata, metástase pulmonar, do câncer de cólon e na coluna.
A Sociedade Brasileira de Radioterapia pretende submeter o estudo à análise da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) para possível incorporação ao SUS.
O estudo foi financiado pela Varian Medical Systems, fabricante de equipamentos de radioterapia.
Além do radio-oncologista Alexandre Arthur Jacinto, participaram do estudo os pesquisadores Gustavo Viani Arruda, do Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Marina Lourenção e Jorge Henrique Caldeira de Oliveira, ambos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, e Júlia Simoes Correa Galendi, da Universidade de Colônia, na Alemanha.
Dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer) apontam o câncer de pulmão como o terceiro mais frequente entre homens e o quinto mais comum entre as mulheres. O ano de 2022 deverá fechar com estimativas de 30.200 novos casos, sendo 17.760 entre homens e 12.440 em mulheres.