Dos conselhos mais preciosos para uma vida saudável, manter uma alimentação nutritiva, beber água, se exercitar com regularidade e fazer terapia estão, de uma maneira quase óbvia, no topo do ranking. Mas uma novidade pontual relaciona intimamente as duas últimas atividades a um cenário promissor. De acordo com pesquisas realizadas pela Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, a prática de exercícios físicos momentos antes da sessão de terapia amplia os benefícios e intensifica os efeitos dos tratamentos psicoterapêuticos que buscam combater condições como depressão e ansiedade. “O treinamento físico já vem sendo usado como adjuvante à terapia até então, mas raros estudos estruturam o exercício imediatamente antes ou após, quando pode revelar a capacidade de potencializar os objetivos”, apresenta o cinesiologista Jacob Meyer, responsável pelo projeto, na introdução da pesquisa.
Essa conclusão é fruto de dois pequenos estudos, feitos a partir de técnicas diferentes, com grupos reduzidos, mas com resultados animadores – ainda que necessite de um número maior de ciclos de observação. Nessa fase inicial, os testes foram feitos ao longo de oito semanas. O primeiro foi aplicado em 30 pessoas, divididas em dois grupos, com diagnósticos de depressão intensa. Uma parte foi submetida a uma sessão moderada na bicicleta ergométrica durante 30 minutos. A outra turma permaneceu sentada pelo mesmo período.
Ao longo do processo foram aplicados questionários antes, durante e depois das atividades. Na semana seguinte, a prática foi invertida e quem se exercitou no primeiro módulo permaneceu sentado, e vice-versa. A conclusão foi de que houve uma melhora no humor dos participantes que praticaram exercícios e essa sensação se manteve tanto no momento quanto em seguida – cerca de 75 minutos depois –, considerada uma janela de bem-estar duradoura o bastante para garantir uma sessão mais consciente, focada e efetiva. O estado de anedonia, que é a insatisfação em realizar atividades agradáveis do dia a dia, só começou a voltar após esses 75 minutos.
O outro, um estudo piloto mais orgânico, foi realizado com dez participantes. Metade do grupo se exercitou com diferentes atividades – corridas, pedaladas e caminhadas –, em uma intensidade moderada, durante 30 minutos, e logo começou a psicoterapia. A outra metade seguiu com suas atividades do dia a dia antes da consulta. Ao final de oito semanas, ambos os grupos mostraram evolução no tratamento, mas os que se exercitaram tiveram uma redução mais significativa nos sintomas da depressão.
No site da Universidade de Iowa, Meyer conta que um dos mecanismos percebidos para essa evolução foi a melhora da relação entre o paciente e o terapeuta. No estudo piloto, os participantes que praticaram exercícios antes da sessão de terapia cognitivo-comportamental relataram uma conexão mais rápida e forte com seus terapeutas.
“Os pesquisadores disseram que as descobertas sugerem que o exercício pode estar preparando ou estimulando o cérebro para se envolver com um trabalho emocionalmente mais desafiador do que durante a terapia convencional”, descreve o cinesiologista, que apresenta como resultados do projeto 100% de aderência, 100% de retenção na consulta final e 74,6% de fidelidade à terapia, combinados a altos níveis de satisfação dos participantes.
Carla Tieppo, neurocientista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, reafirma o poder emocional e o bem-estar promovidos pelo exercício. “Treinar antes da terapia é algo positivo, pois traz uma sensação de conquista e isso favorece o trabalho de neurotransmissores como a serotonina, considerada o hormônio da felicidade. É uma resposta ao cérebro dizendo que um desafio foi alcançado, eleva a autoestima. Mexe com a adrenalina, dopamina e aumenta ainda mais o foco”, esclarece. Carla, que também é doutora em Neurofarmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP, reforça a intenção do combo atividade física e psicoterapia, mas não acredita que o ato isolado de exercitar-se seja capaz de prevenir depressão.
Segundo ela, não pode ser considerado um tratamento único e a ajuda profissional é essencial. Ainda aponta um outro agravante: pessoas sedentárias têm uma probabilidade maior de sentir dificuldades e incômodos durante a prática e a vulnerabilidade social relacionada aos padrões de beleza femininos pode se tornar um obstáculo para que muitas mulheres levem esse tipo de tratamento adiante.
A psiquiatra e psicanalista Cristina Lemberg, do Rio de Janeiro, que atua na área há 40 anos, interpreta de maneira mais ampla a relação da saúde mental com o exercício. Ela afirma que é fundamental entender que não há uma separação entre corpo e mente, pois o nosso sistema psíquico tem ligação com a formulação corporal. Ela explica que desde a infância a gente se atenta aos movimentos do corpo e, ao longo da vida, aprendemos a nos enxergar no espelho. “No consultório não é só sobre a voz do paciente, o corpo também está ali presente na terapia. Somos estimulados o tempo todo a nos observar”, acrescentou a profissional.
Cristina ainda pontua que a liberação de substâncias como a endorfina, que estimula o prazer e a satisfação, também tem o poder de regular outros hormônios e, consequentemente, ajuda a manter um sono mais equilibrado, uma memória renovada e uma consciência corporal maior, ferramentas essenciais para os momentos de reflexão que as psicoterapias convidam. E, se você está se perguntando quais os tipos de atividade podem ser mais úteis nesse processo, a especialista explica que os aeróbicos têm um impacto maior na dinâmica da neuroplasticidade.
Ou seja, o esforço estimula mais a atividade cerebral. Já na natação, o trabalho é feito de uma forma mais ampla e conjugada (articulação, respiração e musculação). Mas cada esporte tem suas necessidades e benefícios, e o fundamental é a experimentação e a prática cotidiana. Outro fator que não pode faltar é prazer no que se faz. “Na terapia a gente dá valor ao que a pessoa deseja e onde ela sente mais vitalidade. A análise serve também para isso, pois trabalha com a questão desejante em qualquer esfera. Profissional, pessoal e corporal”, conclui a psicanalista.
Substituições e complementações
Meyer, ao longo de seu estudo, sustenta que, em alguns casos, o exercício combinado à terapia pode substituir outras alternativas, com resultados similares a alguns tipos de medicação e sem os efeitos colaterais recorrentes, como perda de sono e aumento da ansiedade. A questão fundamental é em relação à motivação: pessoas com quadros depressivos profundos não demonstram satisfação em praticar (e manter a prática de) exercícios voluntariamente.
Cristina Lemberg acredita que em alguns casos a ideia de usar o recurso para substituir determinadas medicações até pode ser considerada. Mas assinala que na maioria das situações é mais sobre complementação. A psiquiatra e psicanalista relata que os antidepressivos e outras medicações de controle emocional atuam diretamente nos neuroreceptores cerebrais e são definitivos para a manutenção do tratamento.
E, como a ideia é somar, vale lembrar da outra ponta da fórmula da vida saudável, lá do início do texto. Se estreitar a relação entre exercícios e terapias apresenta bons resultados, caprichar na parte do “alimente-se bem e beba bastante água” pode ser a chave definitiva. Ainda que não esteja contemplada no estudo de Iowa, a dica também se justifica na ciência. A nutricionista Katharine Nader, especialista em Fitoterapia, Ortomolecular e Biofuncional, explica que o intestino está ligado à serotonina: se não funcionar regularmente, pode gerar estresse e ansiedade. Por isso a importância da produção desse hormônio para se manter bem. Alimentos como abacate, castanhas e aveia auxiliam no aumento da produção hormonal. Segundo ela, também é importante ter um olhar para o consumo de Ômega 3 para o bom funcionamento neural. Sardinha, atum e vegetais são potentes e ajudam em graus de ansiedades e assim como na depressão.
A especialista também alerta que quando o organismo sente necessidade de beber água é porque o corpo já está em falta. “A desidratação gera cansaço e, consequentemente, o treino não rende. Para ter um bom desempenho é fundamental o consumo de água, que também traz reflexos para a qualidade do sono, redução da ansiedade e outras questões emocionais”, finaliza.
Ao amarrar essas pontas fica mais claro entender a festejada conexão entre o corpo e a mente. E nada mais justo do que se valer de todas as armas para alcançar, de maneira efetiva e comprovada, o fundamental – e cada vez mais necessário – bem-estar emocional.