Foram 12 anos de preparação, técnicos espanhóis, jogadores naturalizados, uma academia de futebol com estrutura de primeiro nível, amistosos contra rivais europeus e até uma torcida organizada vinda de diferentes países. Nada disso adiantou. O sonho do Qatar de se apresentar como nova potência do futebol, tendo sua Copa do Mundo como palco, durou apenas seis dias.
Com duas derrotas, para Equador (2 a 0) e Senegal (3 a 1), a seleção qatari tornou-se a primeira eliminada do Mundial. E acumulou uma sequência de recordes negativos: nunca, desde o início do torneio em 1930, a seleção do país-sede havia perdido na estreia; igualmente inédita era a derrota nos dois primeiros jogos; e também que a dona da casa fosse a primeira a ficar sem chances de avançar.
Até hoje (25), a África do Sul carregava o rótulo de pior país sede da história — o único a não avançar para a segunda fase da competição. Ao longo da linha do tempo das Copas, países como Suíça (1954), Chile (1962), Estados Unidos (1994) e a dobradinha asiática de Japão e Coreia do Sul (2002) conseguiram desafiar a lógica e superar a fase inicial, mesmo contra rivais em teoria mais fortes.
A esperança do Qatar era repetir a história dos sul-coreanos, que há 20 anos foram primeiros colocados em um grupo com Portugal, EUA e Polônia, derrubaram Itália e Espanha no mata-mata (com arbitragens discutíveis) e só pararam contra a Alemanha na semifinal. Mas o sonho qatari acabou no primeiro dia da segunda rodada da fase de grupos.
Com nenhum ponto em dois jogos, os qataris enfrentam a Holanda pela última rodada do Grupo A, apenas para cumprir tabela. Em jogo estará, também, a dignidade do futebol do país, que tentará evitar outro feito histórico: ser o primeiro país sede a acabar a competição com três derrotas na fase de grupos.
O fracasso esportivo do Qatar na Copa do Mundo pode parecer óbvio, mas o país tentou de várias formas evitar ser um saco de pancadas na Copa do Mundo. Desde que ganhou o direito de organizar o evento, em 2010, foram feitos vários esforços para melhorar o nível do futebol do país. No ranking da Fifa, o Qatar pulou de 119º, quando o Joseph Blatter abriu o envelope que surpreendeu o mundo do futebol, para a 50ª posição.
DNA espanhol e “tiki-taka”
A grande iniciativa do projeto qatari foi a Academia Aspire, criada para formar jogadores para a seleção do país. Com olheiros no Qatar e também pela África, a Aspire conseguiu captar 18 dos 26 jogadores da atual seleção, entre eles Almoez Ali, sudanês que é a maior estrela da seleção. Para comandar o “laboratório de jogadores”, foram contratados especialistas europeus, sobretudo espanhóis.
O intercâmbio com a Espanha teve como dois maiores expoentes o atual treinador da seleção, Félix Sánchez, e Xavi Hernández, atual técnico do Barcelona. O meio-campista campeão mundial em 2010 foi contratado primeiro como jogador, em 2015, e depois como treinador.
À frente do Al Saad, o catalão foi campeão nacional e formou a base do atual selecionado nacional. O estilo de jogo com foco na posse de bola acabou se transferindo para a equipe conduzida por Félix Sánchez, que teve como ponto máximo de seu “tiki-taka do deserto” na Copa Asiática de 2019, quando conquistou o título com vitórias convincentes sobre Arábia Saudita, Coreia do Sul e Emirados Árabes, e principalmente um 3 a 1 diante do Japão na final.
A seleção qatari também disputou a Copa América daquele ano, no Brasil, e a Copa Ouro de 2021, quando venceu Honduras e El Salvador e só parou nas semifinais, derrotada por 1 a 0 pelos Estados Unidos.
Na preparação para a Copa do Mundo, o Qatar também levou uma vantagem que nenhuma seleção de fora da Europa teve: a chance de disputar amistosos contra equipes do Velho Continente. Foram 11 desde 2021, incluindo dois contra Portugal e outros dois contra a Sérvia. A seleção brasileira não conseguiu uma única data para enfrentar europeus no mesmo período.
A reta final de preparação teve ainda uma espécie de seleção permanente treinando por 3 meses, enquanto os adversários tinham atletas envolvidos em jogos oficiais sete dias antes da competição. O Equador, adversário no jogo de abertura da Copa, convocou seus 26 jogadores a seis dias da estreia.
“Estamos trabalhando há meses para poder ter um bom desempenho. Quando você chega aqui você precisa saber de onde vem. Se isto é um fracasso e uma decepção, isso depende das expectativas”, disse o técnico Félix Sánchez após a derrota para Senegal, que sacramentou a eliminação.
O conceito de fracasso, decepção ou vexame é subjetivo. O que está marcado na história, de forma muito objetiva e matemática, é que nunca houve um anfitrião com desempenho tão ruim quanto o do Qatar em 2022.