Pesquisas indicam que se mantém a tendência de negativa ao texto que está em vigor desde a ditadura de Augusto Pinochet
O Chile decide neste domingo, 4, se aprova uma nova Constituição para substituir a vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que apesar de reformada durante a democracia, sobrepõe leis de mercado sobre a educação, saúde e aposentadoria, além de limitar intervenções do Estado. Essa é uma das eleições mais importantes dos últimos anos, e pode ter uma profunda mudança no modelo de nação. O texto vigente é visto por parte da sociedade como a origem das desigualdades do país, por fomentar a privatização dos serviços básicos. O novo texto, redigido durante um ano por uma assembleia de tendência progressista e com paridade entre homens e mulheres, declara o Chile um “Estado social de direito” e está na vanguarda global em assuntos como a luta contra a crise climática e pela igualdade de gênero. O resultado, que se espera seja apertado para qualquer um dos lados, será conhecido poucas horas após o fechamento das urnas. Há previsão de que o presidente do Chile, Gabriel Boric, faça um pronunciamento em rede nacional, independente da opção vencedora.
Os mais de 3 mil pontos de votação espalhados pelo país começaram a receber as urnas na sexta-feira à noite, assim como as cédulas em que os 15,1 milhões de eleitores chilenos terão que marcar na opção “Apruebo” (Aprovo) ou “Rechazo” (Rejeito), com relação ao novo texto. Para garantir a segurança, mais de 26 mil militares vão estar trabalhando nos centros eleitorais, que vão funcionar das 8h (horário de Brasília) até as 18h. “Está tudo em ordem, e as Forças Armadas estão se mobilizando para assumir o controle dos locais de votação nas próximas horas, para que todas e todos tenhamos um bom processo”, garantiu neste sábado a ministra da Defesa, Maya Fernández.
Pesquisas apontam rejeição
As últimas pesquisas de intenção de voto indicaram que se mantém a tendência de negativa ao texto, mas especialistas consideram que o cenário está aberto, pois, pela primeira vez, o voto é universal e obrigatório, e há um grande número de eleitores que estão há anos ausentes das urnas. A rejeição do texto proposto fará com que seja mantida a Carta Magna, embora o presidente Gabriel Boric já tenha anunciado que convocará um novo processo constituinte e que será cumprido com o mandato do plebiscito de outubro de 2020, em que quase 80% dos chilenos foram a favor de mudanças no documento. O chefe de governo, favorável à aprovação de uma nova Constituição, viajou ontem para a cidade natal, Punta Arenas, a mais de 3 mil quilômetros ao sul de Santiago, para poder votar logo no início da manhã e voltar em seguida ao Palácio La Moneda. “Que sejam os chilenos e chilena quem, pela primeira vez, decidam democraticamente sobre o conteúdo e a forma de uma nova Constituição é um fato que sem dúvida, aconteça ou que acontecer no domingo, é algo que transcenderá”, afirmou Boric. “Confio na sabedoria do povo do Chile”, acrescentou o presidente. Essa será a primeira eleição com voto obrigatório em uma década em um país com altas taxas de abstenção nas últimas consultas.
O instituto Criteria indicou nas últimas horas que 84% (12,6 milhões) dos eleitores tinham intenção de comparecer às urnas, o que pode significar uma “revolução na participação”. O último levantamento sobre o texto realizado pelo Criteria indicou que 42% dos entrevistados reprova seu conteúdo, segundo o que ouviu falar ou leu. Cerca de 28% o aprova, ainda que o considere mediano, e 26% o considera excepcional. Seus defensores acreditam que a nova Carta é capaz de mudar um país outrora conservador e com evidentes divisões sociais, étnicas e econômicas. Eles também consideram que as novas regras são a base para um Chile mais igualitário. Já seus detratores temem que estas mudanças podem levar o Chile para o abismo.
O que acontece se o projeto de Constituição for aprovado?
Independente do resultado, um amplo consenso político e também cidadão – segundo pesquisas – semostra favorável a que se inicie já na noite de domingo um novo processo de reformas, para o qual já foram traçados vários “roteiros”. “Há um consenso de que a Constituição de 1980 não dá mais e que passaríamos a outra, que é o resultado de todo um processo democrático que também tem âmbitos avançados pelo estabelecimento de direitos sociais, políticos e econômicos”, disse à AFP Cecilia Osorio, acadêmica da Faculdade de Governo da Universidade do Chile. Caso seja aprovado, o projeto de Constituição entraria em vigor dez dias após o referendo. O novo texto constitucional acaba com o Estado que privilegia a iniciativa privada e implementa um “Estado social de direitos”. Se ganhar o “Rejeito”, continuará em vigor a Constituição redigida pela ditadura. Também definirá o Chile como um Estado plurinacional, que reconhece a autonomia dos povos indígenas. Incorpora uma democracia paritária, com 50% de mulheres em cargos estatais, permitirá ainda a interrupção da gravidez e reconhecerá as diversidades sexuais. Se ganhar o “Rejeito”, continuará em vigor a Constituição redigida pela ditadura.
*Com informações da EFE e AFP